It’s a story, it’s all a story. We decide which bits of our lives have meaning and consequence, which bits to hold on to and use as a guide.
Há uma4,5*
It’s a story, it’s all a story. We decide which bits of our lives have meaning and consequence, which bits to hold on to and use as a guide.
Há uma situação vivida por Jessica aos quatro anos que não deixa de atormentá-la, ainda que tenham passado várias décadas desde então: a de ter encontrado o seu pai a tempo de ser socorrido depois de uma tentativa de suicídio. Sabendo agora que ele passou o resto da vida como um homem capaz das maiores violências verbais e físicas com a mulher e os filhos, a narradora pergunta-se se não teria sido melhor o pai ter morrido na altura e, dessa forma, evitado todo o trauma que lhe infligiu a ela, à mãe e aos dois irmãos mais novos, profundamente afectados por aquilo por que passaram. Como psicobióloga evolutiva, elabora a tese de que, tal como há insectos que se matam altruisticamente para o bem da sua comunidade, há pessoas cuja morte autoinfligida é benéfica para aqueles que os rodeiam, porque têm comportamentos condenáveis ou autodestrutivos, como tem ocasião de perceber através de amigos seus.
Every one of my colleagues took up the study of suicide with the aim of eventually contributing to its prevention. I’ve come to realise I entered into it with the aim of contributing to its defense.
“In Defence of the Act” foi um dos candidatos deste ano ao Women’s Prize for Fiction na Grã-Bretanha, país onde até 1961 o suicídio era considerado um crime, mas não chegou a ser sequer um dos finalistas. É um livro audacioso e brusco que, apesar de belos momentos de humor, tem uma protagonista sem papas na língua, que se recusa a ser vitimizada e tenta lidar com a pesada bagagem o melhor que sabe, sem grandes rancores, mas a verdade é que o suicídio continua a ser um assunto incómodo, um tabu. Acho curioso que uma pessoa possa ler livros de crime em catadupa sem que ninguém a olhe de esguelha, pois não se vê ali um potencial psicopata; mas se outra pessoa ler sobre o suicídio, imagina-se logo o pior. E acho que foi por isso que esta obra não avançou como finalista, porque causa realmente inquietação e as pessoas não querem sequer pensar no assunto. Se o homicídio é considerado entretenimento, por que não é também o suicídio visto como tal? É realmente mais macabro? Apesar do tema, “In Defence of the Act” não é um livro miserabilista, com uma narradora que fica a lamber as suas feridas. Há um arco narrativo, um amadurecimento, um processar intenso de sentimentos e acontecimentos, que nos dá uma protagonista que chega à última página transformada. Pelo caminho, tem de debater-se com a questão de poder vir a ser uma má mãe e, igualmente importante, qual é o seu papel como cuidadora de um monstro quando ele chega a velho, aquela altura em que a sociedade não quer compreender por que também há idosos que têm os maus filhos que merecem.
I truly don’t think I will be all that upset when he dies. In the years before he fell ill I hardly saw him, and it often felt like the ideal state would never having to see him again. So, I don’t think it’s the death bit that’s the issue for me(…). It’s his life, his life as it is now, that hurts. It’s like seeing a once terrifying dog – (…) a dog that used to mercilessly maul rabbits for fun – on its last legs. I can’t help but grieve the lost power, and pity what now stands in its place.
Há uma metáfora contada logo no início sobre o que acontece a uma cenoura, a um ovo e a um grão de café quando são postos a ferver em água. Qual deles nos representa quando somos submetidos a um sofrimento tremendo? A cenoura amolecida, o ovo enrijecido ou o grão de café que passou o seu sabor para a água? No final, Jessica, que sempre se viu como um ovo, descobre que há uma quarta hipótese, uma bela imagem que encerra esta obra com chave de ouro.
Now I don’t know what kind of story it is I’m writing here. (...) I can tell what it isn’t. It isn’t a poor-little-me abuse porno. This isn’t where I describe in minute detail the years of cruelty that made me the warped monster I am today. I won’t paint a vivid picture of suffering to make you thankful for your beige upbringing, or if you were one of the unlucky ones, to act as a trigger....more
I choose Greek myths and ghost stories, tales that come in under fourteen pages and culminate in violent lessons. I read aloud and let her stop me wheI choose Greek myths and ghost stories, tales that come in under fourteen pages and culminate in violent lessons. I read aloud and let her stop me when she wants to – stories of swans and spiders, bay trees, narcissi, girls transformed into monsters by rivals playing dirty. - Mantis
Julia Armfield já foi comparada a Angela Carter, a grande subversora dos contos de fadas, e apesar de eu, pessoalmente, a equiparar mais às grandes contistas argentinas da sua geração, Agustina Bazterrica e Samanta Schweblin, com o seu horror corporal e os seus ambientes inquietantes, foram os filmes de terror que deram origem a “Salt Slow”, um título inspirado em “Sob o Bosque de Leite” de Dylan Thomas: “É a noite avançando nas ruas, a procissão salgada do vento vagaroso e musical por Coronation Street e Cockle Row.” Diz Armfield que trabalha a partir de imagens dando pouco valor ao enredo e, realmente, com o seu poder de descrição e frases bem torneadas, cria situações inusitadas recorrendo ao sobrenatural, ao realismo mágico e à inversão dos papéis tradicionais do horror, fazendo dos homens as vítimas ao serem confrontados com mulheres transgressoras, doseando bem o ridículo com o trágico. Tem havido muito hype em relação a “Our Wives Under the Sea” e o mesmo está a acontecer com o recém-publicado “Private Rites”, por isso, ao ler estes contos, que constituem a sua estreia como autora, compreendo e subscrevo todos os elogios.
Mantis- 4,5* ‘It’s hereditary,’ my Mother says, assessing her reflection in Mrs Weir’s make-up mirror after applying a different colour shadow to each eyelid. ‘Difficult puberties.’ ‘– what am I thinking of ?’ Mrs Weir burbles on, twisting the cap on a tube of cream like the wringing of a neck. ‘The poor people you see in the movies with the skin. You know? The ones with the bells.’ ‘You’re thinking of leprosy,’ I say (…) ‘You know what I do have is a lovely piece of kit that’s technically meant for stretch marks, but it might do as cover for you. Look here. The burn victims like this one, see.’
The Great Awake – 5* It became so swiftly ordinary – not a thing to be longed for, but nothing whatsoever to be done. Like chicken pox, inevitable. People slept until their Sleeps stepped out of them, then they went on living awake. Shortly after our first encounter on the seventh floor, people in my building stopped sleeping at a rate of about one a night. Mine appeared early, an awkward guest to whom I first thought to offer tea or the newspaper, though I quickly discovered that Sleep was not a companion who wanted much entertaining.
The Collectables – 4,5* We burned what we could of Simon Phillips in a pit at the end of the garden. Jenny held her hands over the flames – a bonfire of the final boyfriend: photographs with eyes scratched out, a note he had written on a napkin, the grisly confetti of toenail clippings she had pulled from the bathroom bin.
Formerly Feral – 4,5* The wolf was named Helen, having been named after both Helen of Troy and St Helen of Constantinople, who reputedly discovered the true cross in Golgotha in AD 337. She was dust-coloured, slavered more or less constantly, which wasn’t attractive, and had the other unfortunate habits of defecating in the corner of the kitchen and gnawing on table legs. In the early days of his second marriage, my Father took great pleasure in citing all of the literary precedents for her presence in our lives, although he owned that from Romulus and Remus to Mowgli, the more usual setup involved wolves adopting humans, not the other way around.
Stop your women’s hears with wax – 3* The band – their long hair, their flaring nostrils – reappearing to the kind of clamour Mona has only ever seen re- served for the Beatles; weeping female fans in strips of documentary footage, fingers reaching up into eye sockets, digging down with a violence made slippery by tears. It is not a reaction she is used to seeing for a girl band.
Granite -4* Her friends are nurses, midwives, physical therapists. They discuss the issue with clinical focus over Chenin blanc and Twiglets. Men, they say, are not built to withstand the same internal pressures. You can see it in their hips, the way they breathe after running. A lack in anatomical endurance. From a purely physical perspective, it is hard to love a man without breaking him apart.
Smack – 3* The jellyfish come with the morning – a great beaching, bodies black on sand. The ocean empties, a thousand dead and dying invertebrates, jungled tentacles and fine, fragile mem- branes blanketing the shore two miles in each direction. They are translucent, almost spectral, as though the sea has exorcised its ghosts. Drowned in air, they break apart and bleed their interiors. A saturation, leeching down into the earth. People claim they are poisonous – Sea Nettles, Lion’s Mane, Portuguese Man of War.
Cassandra After -3,5* The issue, of course, was that she had been buried and now she wasn’t, although this could be said to be the case for a lot of things. I had once been a practising Catholic and now I wasn’t. Not unlike my religious conviction, her death had simply lapsed. I let her in and left her sitting on the sofa while I microwaved some Chinese rice and poured pineapple juice into a glass.
Salt slow – 4,5* Afterwards, they brave their little boat’s tilting to sit together in the stern, compiling a list of the things they miss. There is a curious tinge of competition to it, a friendly tennis match for which both nonetheless keep silent score. I miss chocolate. I miss my hairdryer. Roast chicken. Newspapers. Paper money. Audiobooks. Fresh fruit. The sound of post arriving. Morning runs. Eating slowly. Cafetières. Frozen peas. The thought of going on holiday. Electric lights. Dogs. Wrapping paper. The way you used to look....more
Eis aqui três caixotes: o Verde o Rosa, e lá dentro o caixotinho que morde.
Era com “O Leite dos Sonhos”, o alimento da imaginação sem espartilhos, que L4,5*
Eis aqui três caixotes: o Verde o Rosa, e lá dentro o caixotinho que morde.
Era com “O Leite dos Sonhos”, o alimento da imaginação sem espartilhos, que Leonora Carrington também nutria os seus filhos, inventando histórias estrambóticas para lhes contar e cobrindo as paredes de um dos quartos com os seus desenhos fantasiosos e, por vezes, horripilantes, que mais tarde deram origem a este livro. As histórias de Leonora, pintora e escritora surrealista exilada no México, seguem a tradição dos contos mais mórbidos e cruéis dos Irmãos Grimm, de Heinrich Hoffman e Roald Dahl, com um trunfo maior que são as ilustrações verdadeiramente mirabolantes que os acompanham. Apesar de dispensar a descrição de excreções na literatura, penso que na infância o humor escatológico não só faz sentido, como, pela minha experiência, é um enorme sucesso entre os mais novos. É disso exemplo “A terrífica história dos pedacinhos de carne” e “A cruel história do chá de camomila”.
O Senhor Bigode Bigodaço tem duas caras – come moscas, dança -, eis aqui o seu peru. E esta é a sua filhota que come aranhas – ela está doente. Para acabar, eis a Senhora Bigode Bigodaço de pernas para o ar. São todos mesmo muito feios. O coelhinho é bonito, mas não é deles....more
Depois do último livro de Cormac McCarthy, começo a perceber uma determinada tendência nos escritores de uma certa idade: o narcisismo leva-os a escreDepois do último livro de Cormac McCarthy, começo a perceber uma determinada tendência nos escritores de uma certa idade: o narcisismo leva-os a escrever o que bem entendem, como bem entendem, e se os fãs por acaso gostarem, óptimo. Acontece que não sou fã de Ian McEwan: por cada livro que adorei dele, detestei outro. Assim sendo, “Lições” não tem a delicadeza de “Na Praia de Chesil”, não tem a subversão de “Expiação”, não tem o nível de demência de “O Fardo do Amor”, não tem vestígios do Ian “Macabre” de “Cement Garden”. Falta consistência a esta obra, falta-lhe uma voz distinta, falta-lhe brilho, falta-lhe ritmo. Não saindo do tema das lições de piano, que são o ponto de partida desta obra, o staccato que caracteriza as frases de McEwan é monótono e quase básico.
Mas isso era irreal. Ele conhecia o famoso verso de Auden. Tinha de perdoá-la por escrever bem. Algo tão insuportável como não a perdoar. Ela não tinha sido egoísta e fria ao retirar o seu amor? (...) O paradigma da virtude humanista! Que engano. Permitido apenas na ficção.
O que sei eu de música? Nada, sempre fui uma aluna medíocre a Educação Musical, mas percebo qualquer coisa disto de ler livros, depois de décadas a consumi-los, e este foi um frete, que levei até ao fim porque as 650 páginas têm letra do tamanho das edições de YA e comprei-o com o desconto acumulado no cartão Continente, quantia que poderia ter gastado num suprimento de Milka que decerto me traria mais alegria. Falando em YA, McEwan tem afirmações tão pueris como....
As suas necessidades eram vagas. Adivinham mais de um hábito ininterrupto de a querer, de um desejo que incluía mais ia além do erótico. Tinha qualquer coisa de infantil, de inocente, de feroz. Provavelmente era amor.
Se não é amor, só pode ser Impulse, que também eu tenho as minhas referências pessoais dentro do grande cenário que é a História Mundial. “Lições” pode ser visto como a resposta masculina e britânica a “Os Anos” de Annie Ernaux, mas com mais autoficção, mais ambiciosa, querendo abarcar todos os temas e tornando-se, por conseguinte, fastidioso. Por outro lado, é com assombro que noto que não está imune ao efeito telenovela. (view spoiler)[Quando o protagonista volta a ver a professora de piano passados 40 anos, sob nome falso e o falso pretexto de uma lição, ela abre a porta virando costas ao estranho, faz-lhe as perguntas da praxe sem olhar uma única vez para ele e só quando ouve os primeiros acordes é que cai em si. Poupem-me! (hide spoiler)] Mas as influências perniciosas não terminam aqui, inspirando-se até em Paul Auster, autor que, por acaso, aprecio. (view spoiler)[Exactamente nos dias que se seguem à queda do muro, Roland consegue uma conveniente boleia num jacto privado para Berlim com um amigo que vai a uma reunião de trabalho precisamente lá e aí, no meio de uma turba formada por milhares de pessoas que passavam de uma Alemanha para a outra, ele encontra nem mais nem menos que pessoa que queria. (hide spoiler)] N��o há coincidências? Claro que há, para um enredo duvidoso poder avançar. Entusiasmou-me nesta obra a subversão inicial de papéis, sendo a mulher a abandonar o marido e o filho e não aquilo que vemos repetidamente na ficção e na vida real, e isso puxou-me até à parte em que se percebe o motivo. Queria muito ver o que seria da vida de Roland Baines como pessoa, como o traumatizado sexual que só mais tarde percebe que é e, acima de tudo, como aspirante a poeta a braços com um bebé de colo, e apesar de ser “maçador, sem perspicácia, passivo”, achei-o uma personagem credível, carente e simpática, que acaba por salvar a recta final de “Lições” com as suas reflexões na meia-idade e na velhice.
Mas ali estava essa essência que todos esquecem quando um amor se esvai no passado – como era, o que sentia e a que sabia estarem juntos durante segundos, minutos e dias, antes de tudo o que fora tomado como certo ser descartado e depois reescrito pela história de como tudo acabou e, mais tarde, pelas vergonhosas insuficiências da realidade....more
Hilary Mantel escreve com competência, mas não me impressiona. Tem sentido de humor, mas só esporadicamente. Cria personagens extravagantes ou inadaptHilary Mantel escreve com competência, mas não me impressiona. Tem sentido de humor, mas só esporadicamente. Cria personagens extravagantes ou inadaptadas, mas parece tudo um pouco forçado. “O Assassinato de Margaret Thatcher” é um conjunto de contos sobre pessoas desajustadas ou em situações desconfortáveis pela presença de outros, em países estrangeiros ou no local de trabalho, em que alguns têm um final satisfatório ou inesperado, mas outros parecem ter sido abandonados a meio.
- Se soubesse que ia ser assim tão aborrecido – disse-lhe-, tinha trazido o livro que requisitei na biblioteca. A Mary brincava com pés de relva, de vez em quando murmurava: - O meu pai diz: “Vê lá se te começas a portar bem, Mary, senão, vais ter de ir para o reformatório!” - O que é isso? - É um lugar onde nos batem todos os dias. - O que fizeste? - Nada, mas eles batem na mesma. Encolhi os ombros. Parecia bastante provável. - Batem-nos só aos fins de semana ou também nos dias de escola? * Vírgula *...more